Não tem meio-termo. Ou se ama Legião Urbana ou se odeia. E isso ficou claro nesta noite de terça-feira (29) no show tributo à banda promovido pelo canal MTV, que reuniu o ator Wagner Moura e os sobreviventes do fenômeno musical, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, no Espaço das Américas, em São Paulo. Cerca de 7 mil fãs receberam os músicos no palco com histeria e comoção, comprovando que mesmo após 16 anos do término, o amor pela música do grupo sobrevive.
Ícone de uma época em que o jovem buscava seu espaço no pós-ditadura e tentava lidar com os próprios sentimentos perturbados inerentes à pouca idade ou excesso de reflexão, a Legião Urbana virou um marco na música nacional pelas letras, carisma e genialidade de seu líder, Renato Russo (1960-1996). O resultado disso foi uma verdadeira legião de jovens fãs que se identificavam com a sua poesia popular e direta e assim como uma verdadeira adoração religiosa, não permitem críticas e perdoam erros daqueles que se tornaram "deuses" tradutores de seus sentimentos e dúvidas.
Com a morte prematura de Russo a adoração só aumentou, deixando um saudosismo inconsolável e um "buraco" no rock nacional, já que desde então nenhum grupo chegou perto ou teve coragem de se arriscar a preencher a lacuna deixada pela banda que acabou após 14 anos de atividade e milhões de discos vendidos.
No show Tributo à Legião Urbana, não houve um espectador sequer que não se emocionasse ao falar da banda, sempre lembrada por "marcar um fase muito especial da vida". Quanto ao posto de vocal assumido por Wagner Moura, a opinião geral foi que a escolha não poderia ter sido melhor, já que o ator também é fã assumido da banda e indiretamente "representa os fãs que adoram a Legião". Mas isso é só o começo da distorcida homenagem que se apoiou no apelo emocional dos fãs e foi relapsa com a obra retratada.
Primeiro, Renato Russo tinha em sua filosofia poética e musical o punk, movimento contestador do capitalismo e repressão política. O show tributo teve seus ingressos no custo de R$ 100 a R$ 300 reais, com direito a pista premium para quem quisesse um lugar com melhor visão do palco. Esses preços estão muito além do que o jovem Russo poderia pagar para ver um de seus ídolos. Com plateia formada em sua maioria de jovens bem-vestidos e convidados VIP, o local estava repleto de seguranças que a qualquer movimento de braço levantado já se posicionavam em alerta para resolver eventuais problemas que colocassem em perigo o trânsito de convidados especiais do evento. Nem de longe é o comportamento de um típico show de rock embalado por músicas de protesto, como Geração Coca-Cola e Faroeste Caboclo.
Quanto ao som, guitarras desafinadas, microfonia, bateria e baixo mal timbrados e a total falta de técnica vocal e afinação de Wagner Moura foram perdoados pela histeria dos fãs que cantaram todas as 25 músicas do show com devoção e por vários momentos tiveram a voz mais alta, encobrindo o canto desajustado do ator. Com seu carisma, sorriso e trejeitos similares aos de Russo, Moura conseguiu entreter o público emocionado ao ver Bonfá e Villa Lobos juntos novamente no mesmo palco. A voz, diferente da do "Trovador Solitário", que é respeitada pela crítica internacional até hoje, ficou para segundo plano, principalmente se tratando do querido Capitão Nascimento, um mito quase tão grande quanto a banda e, portanto, "indefectível". Afinal, quem tem coragem de criticar o novo "queridinho do Brasil"? Nem mesmo um iniciante em um karaokê causaria tanto incômodo e teria tamanha clemência dos ouvintes.
Por fim, após duas horas de show, os fãs se juntaram nas redes sociais para comentar e prestar depoimentos pessoais e emocionados sobre a primeira apresentação-tributo - devido ao esgotamento dos ingressos haverá um segundo show nesta quarta-feira (30) - e a intolerância às críticas apontadas por não fãs da banda ou críticos musicais ficou evidente. Em um show que se diz tributo, no qual a família do homenageado chamou de "elitista e fechado em sua proposta artística", a vontade do único herdeiro e administrador do legado do pai, Giuliano Manfredini, não foi atendida ao preferir "ver artistas da nova geração em cena em vez de um ator" e um dos músicos mais importantes para a história da banda, o baixista Renato Rocha foi deixado de lado, ficou claro que a legião de fãs urbanos continua histérica, saudosa, presa ao passado e a sua homenagem foi falha.